Na noite de 30 de outubro de 2025, o Palmeiras escreveu uma das páginas mais emocionantes de sua história. Diante de uma torcida enlouquecida no Allianz Parque, em São Paulo, o time comandado por Abel Ferreira derrotou o LDU Quito por 4 a 0, revertendo uma derrota de 3 a 0 na ida no Equador e garantindo vaga na final da Copa Libertadores. Foi o maior revés de um placar negativo na história do clube em competições continentais — e talvez o mais emocional de todos os tempos.
A promessa que virou profecia
Três meses antes da partida, Abel Ferreira disse algo que muitos acharam ousado demais: "90 minutos no Allianz Parque são muito tempo". Na época, a frase soou como otimismo de treinador. Naquela noite, virou uma profecia. O português não apenas acreditava — ele planejou. Com um caderno cheio de rabiscos, reuniu sua comissão técnica e desenhou um plano de pressão, transição e ocupação de espaços que só um homem que conhece o futebol como sua própria respiração poderia criar. Mas o que ninguém esperava era o que ele fez com as próprias mãos.O que estava escrito na palma da mão
Durante os 90 minutos e os 3 minutos de acréscimo, Abel Ferreira não gritou. Não se descontrolou. Andou o tempo todo, com os braços cruzados, olhando o relógio, bebendo água. Só se sentou brevemente para ajustes táticos. Enquanto os jogadores comemoravam cada gol — e havia quatro —, ele apenas fechava os olhos, respirava fundo e levava um dedo à testa. Um gesto silencioso: "cabeça fria, coração quente". Mas na palma da mão direita, com tinta azul, ele tinha escrito duas coisas: "emoção" — um lembrete para si mesmo — e uma instrução para o jogador apelidado de "Flaco": "fique perto do Roque". Com o suor e as lágrimas, a escrita foi se desfazendo. Quando o árbitro apitou, a tinta já tinha desaparecido. E foi então, aos 23h26, que Abel Ferreira finalmente cedeu. Maurício, seu assistente, agarrou seu braço. E ele chorou. Não de alegria apenas. De alívio. De gratidão. De dor.Os heróis do Allianz Parque
O time não foi só obra de um técnico. Foi feito de homens que não recuaram. Andreas Pereira dominou o meio-campo, como se fosse um general em campo. Alan, com sua força física, desequilibrou a defesa equatoriana a cada bola alta. Mas foi Rafael Veiga quem selou a história. O camisa 10, considerado por muitos o maior jogador do Palmeiras desde Marcos e Ademir da Guia, converteu o pênalti que colocou o placar em 4 a 0. Ele não comemorou como os outros. Apenas olhou para o céu, apontou para o peito — onde está o nome da mãe — e se abraçou com os companheiros. Foi o gol que fez o estádio tremer. E o que mais pesou: foi o 100º gol dele pelo clube. Um número que só o próprio destino poderia escrever.Um treinador ferido, mas fiel
Após o apito final, Abel Ferreira enfrentou a imprensa com os olhos ainda vermelhos. E falou algo que ninguém esperava: "Fiquei muito machucado com o que ouvi da torcida depois da eliminação contra o Corinthians". Ele se referia ao jogo da Copa do Brasil, em março, quando foi vaiado, insultado e até ameaçado por parte dos torcedores. Na ocasião, ele respondeu com aplausos irônicos. "Não foi só isso. Foi o silêncio, o olhar, a forma como me trataram. Eu não esperava isso no meu clube." Mas aí veio o contraponto. "Palmeiras é um oásis. A estrutura, a organização, o respeito com a equipe — não existe nada igual no Brasil." Ele confirmou que quer renovar o contrato, que termina em dezembro de 2025. Mas fez uma condição: "Não vou assinar se não houver condições. Não é só sobre tática. É sobre humanidade." Cinco anos atrás, ele chegou pensando que ficaria cinco meses. Hoje, com cinco títulos e uma final da Libertadores na bagagem, ele ainda não sabe se vai ficar. Mas sabe que ama o trabalho. "Gosto de treinar esses meninos. É difícil ser treinador no Brasil. Mas aqui, dentro deste clube, eu me sinto em casa."
Um legado que vai além do troféu
Este não é só o jogo mais importante da história do Palmeiras. É o culminar de um projeto. Um projeto de disciplina, de paciência, de resistência. Em 2021, o clube foi eliminado em casa por CRB na Copa do Brasil. Em 2022, perdeu para o São Paulo na final do Paulista — e depois virou o jogo. Em 2023, foi eliminado pelo Boca Juniors na Libertadores. Em 2024, perdeu para o Botafogo no mesmo estádio. Mas em 2025, tudo mudou. Porque Abel Ferreira nunca desistiu. E porque, contra todas as probabilidades, acredita que 90 minutos no Allianz Parque são mesmo muito tempo.O que vem agora?
A final da Copa Libertadores será em novembro, em um estádio ainda não definido. O adversário será o vencedor entre River Plate e Flamengo. Mas o que já está claro: o Palmeiras, pela primeira vez em 13 anos, chega à final sem ser favorito — e venceu como se fosse o mais forte de todos. E isso, talvez, seja o maior mérito de todos.Frequently Asked Questions
Como foi possível reverter uma derrota de 3 a 0 na Libertadores?
Nunca antes um time brasileiro havia revertido uma desvantagem de 3 a 0 em uma semifinal da Libertadores. O Palmeiras foi o primeiro. A chave foi a pressão alta, a velocidade nas transições e a coragem tática de Abel Ferreira, que trocou o 4-2-3-1 por um 3-4-3 no intervalo. Além disso, a torcida foi decisiva: 52.000 pessoas gritaram por 90 minutos sem parar, criando um ambiente intransponível para o LDU Quito.
Por que Abel Ferreira escreveu "emoção" na mão?
Ferreira já havia admitido em entrevistas anteriores que se emociona muito durante os jogos — e que isso pode afetar os jogadores. Escrever "emoção" era um lembrete físico para manter a calma. Ele não queria transmitir ansiedade. O gesto de tocar a testa e respirar fundo era parte de uma técnica de controle emocional que ele aprendeu com psicólogos esportivos. A tinta desapareceu porque ele suou e chorou — mas o propósito foi cumprido: ele permaneceu estável, e isso ajudou os jogadores a manterem a cabeça fria.
Qual é o histórico de reviravoltas do Palmeiras em jogos decisivos?
O Palmeiras já fez grandes viradas: 5 a 1 contra o Bragantino em 2023, 3 a 2 contra o São Paulo em 2024, e a famosa virada de 4 a 0 contra o São Paulo na final do Paulista de 2022, depois de perder por 3 a 0 no Morumbi. Mas nenhuma era tão grande quanto esta: 3 a 0 no exterior, 4 a 0 em casa, em uma semifinal da Libertadores. É a maior virada de desvantagem em competição continental na história do futebol brasileiro.
O que Abel Ferreira quer para o futuro do Palmeiras?
Ferreira quer renovar o contrato, mas só se houver respeito. Ele se sentiu ferido pelos ataques da torcida após a eliminação contra o Corinthians e disse que "não é só sobre tática, é sobre humanidade". Ele valoriza a estrutura do clube, mas quer que a diretoria atue como intermediária entre ele e os torcedores. Se não houver diálogo, ele pode partir — mesmo após cinco anos e tantos títulos.
Por que Rafael Veiga é tão importante para o Palmeiras?
Rafael Veiga é o jogador com mais gols entre os atuais elencos do Palmeiras, com 100 gols oficiais. Ele é o único jogador da era moderna a superar o recorde de gols de jogadores como Ademir da Guia e Marcos. Além disso, ele é o capitão da equipe, líder técnico e emocional. Em 2025, ele se tornou o primeiro jogador da história do clube a marcar em todas as fases da Libertadores — da fase de grupos à semifinal. Seu gol no pênalti foi o 100º, e o mais importante: o que levou o time à final.
O que essa vitória significa para o futebol brasileiro?
É a primeira vez desde 2015 que um time brasileiro chega à final da Libertadores sem ser campeão em seu campeonato nacional. Isso mostra que o futebol brasileiro pode vencer com disciplina, não só com talento. Também é um sinal de que treinadores estrangeiros, quando bem recebidos, podem transformar clubes. E que, mesmo em meio à violência verbal, o futebol ainda pode ser um lugar de superação. O Palmeiras provou que, em um estádio, a emoção pode ser mais poderosa que o medo.
Thaynara Rezende de Oliveira
Sou jornalista especializada em notícias e gosto de escrever sobre os acontecimentos diários no Brasil. Minha paixão é manter as pessoas informadas com atualizações rápidas e precisas.
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